Uma jovem foi vítima de estupro em dezembro do ano passado, com 17 anos, em Tangará da Serra. Médico se negou a realizar o aborto, mesmo com previsão legal, mas após pedido da Defensoria Pública, Justiça determinou a realização do aborto legal. A jovem conseguiu realizar o aborto legal no dia 23 de março, no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá.
Tão logo a vítima tomou coragem para contar o fato à mãe, em fevereiro deste ano, as duas procuraram aUnidade de Pronto Atendimento (UPA) para buscar atendimento médico e agendar o aborto. Mas, para surpresa delas, mesmo existindo previsão legal para o aborto em decorrência de estupro, o médico se recusou a realizar o procedimento, alegando que já se passara muito tempo e não seria mais possível. Ainda por cima, orientou que elas não registrassem um boletim de ocorrência.
“Quando ela me contou, entrei em desespero. Levei ela imediatamente na UPA. O médico examinou ela, fez todos os exames. Verificou se ela pegou alguma doença, graças a Deus não tinha. Mas o médico se recusou a fazer o aborto. Ele falou que como tinha muito tempo não deveria fazer o boletim de ocorrência porque não ia encontrar o rapaz e que o aborto não ia dar certo”, relatou a mãe, que tem 35 anos e teve que abandonar o emprego de operadora de produção para cuidar da filha, que ficou muito abalada após o ocorrido.
Por sorte, uma enfermeira encaminhou as duas a um psicólogo, que imediatamente orientou a mãe a registrar um boletim de ocorrência, já que a filha havia sido vítima de um crime. Finalmente, o BO foi lavrado no dia 24 de fevereiro.
“Recebemos esse caso com muita preocupação. O procedimento deveria ter sido realizado independentemente de qualquer autorização judicial, mas a vítima passou por um constrangimento inaceitável. Desde o primeiro momento, tanto a vítima como sua genitora já haviam preenchido os requisitos legais para ter acesso ao procedimento”, afirmou o defensor Daniel Rodrigo de Souza, que atuou no caso.
A mãe da vítima procurou a Defensoria Pública de Tangará da Serra no dia 27 de fevereiro e, imediatamente, o defensor solicitou à Justiça a autorização para a realização do aborto.
“Nesse sentido, nós buscamos primeiramente a solução administrativa, que não foi suficiente dentro da urgência que o caso demandava, sendo necessário acessar a via judicial para garantir o direito da menor. É muito gratificante poder auxiliar a vítima a ter seus direitos respeitados, mas é um completo absurdo a forma como são tratadas as mulheres nesses casos”, pontuou o defensor.
Com manifestação favorável também do Ministério Público Estadual, a Justiça determinou, no dia 10 de março, que a Secretaria Municipal de Saúde de Tangará da Serra disponibilizasse uma equipe técnica para o encaminhamento da adolescente “para realizar todos os procedimentos necessários de forma célere”.
Após a decisão judicial, a vítima foi encaminhada para o Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, onde foi internada no dia 22 de março, por volta das 17h. O aborto foi realizado no dia 23 e ela recebeu alta hospitalar no dia seguinte, pela manhã.
“Deu tudo certo. Ela está bem, graças a Deus. Como ela era virgem, a médica passou anticoncepcional. Ela falou que não quer ter filho, não quer namorar, não quer casar. A única coisa que ela quer é estudar, fazer uma faculdade e trabalhar. Ela disse que não quer saber de ter filhos”, revelou a mãe.
De acordo com o processo, que corre em segredo de justiça, a jovem teve diagnóstico de depressão, além de não querer mais frequentar a escola após o crime. A negativa inicial do médico em realizar o aborto abalou ainda mais a vítima, que já completou 18 anos.
“Achei muita falta de consideração. Não tem cabimento. O médico estudou para aquilo, para apoiar a mulher. Ela foi abusada, estava descontrolada. Ele não podia falar, ‘Ah, eu não apoio você abortar’. Se eu for na UPA e vir esse médico, eu não entro na sala”, desabafou a mãe.
Segundo o defensor público, uma eventual investigação da conduta do médico depende da vontade da vítima e da sua representante, o que ainda pode ocorrer.
Conforme prevê o artigo 128 do Código Penal, “não se pune aborto praticado por médico: Aborto necessário; I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.
“O pessoal da Defensoria entende o nosso lado. Minha filha estava atordoada, estava tendo pesadelos, ela não queria sair de casa, não queria nada, nem comer. Agora, ela está muito melhor, está indo na escola, terminando o colegial. Todas nós, mulheres, temos direitos. Eu digo para todas procurarem os direitos delas, esquecer o que os outros vão falar. Vai em frente e corre atrás dos seus objetivos”, arrematou a mãe.
Fonte: Assessoria Defensoria Pública/MT
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